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sábado, 10 de agosto de 2013

Luciano Trigo - Máquina De Escrever

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Biografia reconstitui as muitas vidas e contradições de Tolstoi




Uma caricatura feita na Rússia em 1901 mostra Liev Tolstoi como um gigante, ao lado de um minúsculo Nicolau II: o escritor já se transformara então em um mito, adorado em seu país e capaz de atrair a devoção de uma legião de seguidores no Ocidente, enquanto o czar era um líder cada vez mais contestado e frágil . Quando morreu, em 1910, aos 82 anos, fugindo de casa no caminho para um mosteiro, o escritor ganhou um espaço na mídia americana e europeia que seria impressionante mesmo em nosso globalizado presente.
Mais do que reconstituir em detalhes a vida e a trajetória do autor de “Guerra e Paz”, “Tolstoi – A biografia”, de Rosamund Bartlett (editora Globo, 640 pgs. R$ 69,90) tenta interpretar a construção desse mito, humanizando seu personagem, mostrando seu constante desespero existencial e suas inúmeras contradições, suas causas apaixonadas e suas extremas mudanças de rumo. Em permanente desequilíbrio, Tolstoi na verdade viveu muitas vidas, todas ligadas arquétipos da cultura russa: foi um jogador inveterado e um nobre arrependido, um militar corajoso e um pacifista, um apóstolo eremita e um líder messiânico, um místico anarquista e um niilista radical – e, nas horas vagas, encontrou tempo para escrever uma obra colossal sob todos os pontos de vista, que, em seus mais de 90 volumes em letras miúdas, traça um panorama insuperável da sociedade russa do século 19.
O interesse por Tolstoi nasceu enquanto a autora fazia pesquisas para a biografia de outro gênio da literatura, Anton Tchékhov, que, como quase todos os intelectuais russos da época, sofreu um impacto profundo não apenas da obra literária como também do pensamento social e da jornada espiritual do mestre – patente nas cartas trocadas entre os dois escritores. Para Tchékhov, Tolstoi era um verdadeiro pai fundador da Rússia moderna, cuja autoridade moral estava acima de qualquer dúvida, mesmo após sua excomunhão pela Igreja Ortodoxa Russa (após o quê ele fundou sua própria igreja, uma versão heterodoxa do cristianismo). Em seu novo empreendimento, Rosamund Bartlett lança novas luzes sobre o período mais conhecido da vida de Tolstoi – os 17 anos que passou a escrevendo seus dois principais romances, os monumentais “Guerra e Paz” e “Anna Karenina” – mas, principalmente, sobre as três últimas décadas da sua vida, quando Tolstoi se tornou um líder social e religioso para boa parte da população russa. 



Rosamund dá atenção particular ao longo e infernal casamento de Tolstoi com Sonia, com quem teve nove filhos. Moldada pela personalidade dominadora do marido desde os 17 anos, ela teve que aceitar suas inúmeras traições com jovens camponesas, servas que ele explorava sexualmente, registradas em diários aos quais ela tinha livre acesso; já na maturidade, Sonia teve que aceitar também a decisão do marido de se desfazer das propriedades da família, obrigando-se a um estilo de vida espartano. A autora também dedica bastante espaço ao papel de Tolstoi como educador, tendo fundado uma escola pedagógica alternativa, redigindo ele próprio livros didáticos voltados para os filhos dos camponeses, para os quais fazia questão de dar aulas mesmo após a consagração como escritor.  No epílogo, Rosamund discute ainda o ambíguo destino do legado de Tolstoi na Rússia após a Revolução de 1917, refletindo sobre as dificuldades do regime comunista de lidar com o pensamento anárquico e multifacetado do escritor.
Ainda que a análise literária não seja o foco do livro, há também alguns insights sobre o processo de criação de Tolstoi: por exemplo, ao comentar a cena do suicídio de Anna Karenina, Rosamund mostra como o escritor reconstitui as microscópicas etapas psicológicas que conduzem ao ato final, reconstituindo as minúcias de seus pensamentos e escolhas, revelando o descompasso entre intenção e ação que caracteriza tantos de seus personagens (e o próprio escritor). Tolstoi incorpora assim a introspecção ao realismo, a vida interior à descrição aos acontecimentos externos, transformando numa longa investigação sobre a consciência humana a narrativa de um gesto que, nas mãos de outro autor teria resultado em poucas linhas.  Não foi sem razão que o crítico Matthew Arnold afirmou que “Anna Karenina” não é uma obra de arte, mas uma “obra de vida”, tamanho o talento de Tolstoi em reproduzir a realidade em seus múltiplos aspectos.
Rosamund também identifica traços da personalidade do criador em suas criaturas: “Há muito do Vronski de ‘Anna Karenina’ em sua personalidade, além de nítidas referências aos antepassados em seus romances”, escreve, lembrando que, após sua última conversão religiosa, em 1877, Tolstoi renunciou aos prazeres do sexo, do fumo e da bebida, o que transparece em seu último romance, “Ressurreição”, sobre um militar que na juventude é corrompido e corrompe, mas na maturidade faz um mea-culpa quando, na Sibéria, entra em contato com o sofrimento dos prisioneiros políticos. Por tudo isso, “Tolstoi – A biografia” é uma referência inescapável para quem quiser entender a vida e a obra do escritor.

Em 68 contos, a genialidade delicada de Vladimir Nabokov




Do ponto de vista estritamente literário, “Contos reunidos” (Alfaguara, 832 pgs. R$ 89), de Vladimir Nabokov, é o lançamento editorial mais importante do ano. São 68 contos, originalmente escritos em russo, francês e inglês, entre 1920 e 1951. Muitos deles são traduzidos pela primeira vez no Brasil, e a ordenação cronológica oferece uma visão panorâmica que permite ao leitor acompanhar as mudanças de ênfase, abordagem e estilo do autor. Mas em todos, da sátira política (“Fala-se russo”) à fábula fantástica (“O dragão”), do puro entretenimento (“A visita ao museu”) à exploração psicológica da vida interior (“Signos e símbolos”), o autor oferece retratos brilhantes das relações humanas, em seus aspectos por vezes inconfessáveis ou bizarros, em textos que a todo momento provocam um sorriso de satisfação, mesmo no leitor mais exigente. O livro reafirma Nabokov como um dos escritores mais importantes do século 20, diante de quem a produção ficcional contemporânea parece tímida e minúscula.
Em vida, o autor de “Lolita” publicou em livro 52 contos, reunidos em quatro volumes de 13 (as famosas “dúzias” de Nabokov). Pouco antes de morrer, selecionou mais oito para um quinto volume, que não chegou a ver. Coube a seu filho e tradutor Dmitri, autor do prefácio, fazer a seleção final dos 65 contos (cinco “dúzias”) que constavam na edição americana original dos “Contos reunidos”, aos quais foram acrescentados mais três, à medida que novos originais foram descobertos pelos pesquisadores. Em muitos é possível identificar sementes de tema ou estilo que seriam utilizados posteriormente em romances de Nabokov: é o caso da duplicação dos registros de espaço e tempo do conto “Terra incógnita”, que prenuncia a atmosfera de “Ada” e “Fogo pálido” – para mim seu melhor livro, que pode ser classificado como um romance policial estruturado na forma de análise de um poema, com um enredo invisível sendo costurado pelo jogo sonoro-vocabular da poesia. 



Os grandes temas não são tratados diretamente nos contos, mas aparecem como pano de fundo que afeta de forma decisiva a atmosfera e as circunstâncias de vida dos personagens: a nostalgia do país natal, a ascensão do totalitarismo, a desintegração dos laços com o passado, a necessidade de lidar com a perda e com o destino sempre implacável. Amante de enigmas e jogos de linguagem (que representam um desafio bem superado pela competente tradução de José Rubens Siqueira), Nabokov busca de forma obsessiva o vocabulário preciso e funcional, tratando as palavras com a mesma lupa com que estudava suas borboletas. Diferentes tratamentos da realidade e da imaginação interagem em uma prosa inteligente e erudita mas nunca vaidosa, elegante e poética mas nunca exibida. Essa diluição de fronteiras está presente por exemplo, no conto “A Veneziana”. Já “Símbolos e sigos”, no qual um casal de judeus idosos visita o filho com tendências suicidas numa instituição psiquiátrica, merece figurar em qualquer antologia do conto do século 20. Nenhuma palavra é casual, nem uma vírgula é dispensável: Nabokov é profundo mesmo quando aparentemente se limita a descrever um objeto; a cada parágrafo ele coloca em questão as próprias convenções da representação da realidade e os limites da ficção.
Nabokov nasceu em São Petersburgo, em 1899, numa família aristocrática que perdeu todos os seus bens com a Revolução, sendo forçada a fugir da Rússia em 1919, durante a guerra civil. Exilado, estudou literatura em Cambridge, na Inglaterra (onde seu pai foi assassinado em 1922),  e viveu em Berlim (1923 a 1937)  e Paris (1937-1940, quando escreveu seus primeiros contos, em russo, sob pseudônimo), antes de se radicar nos Estados Unidos, onde lecionou em Stanford, Cornell e Harvard. Seu primeiro livro escrito em inglês foi “A verdadeira vida de Sebastian Knight” (1941), em que já revelava as características que o distinguiriam como um dos maiores estilistas da língua inglesa. Mas foi com “Lolita” (1955), que descreve a paixão de um professor quarentão por sua enteada de 12 anos, que o escritor alcançou o reconhecimento e o sucesso comercial que lhe permitiram largar a atividade acadêmica  para se dedicar exclusivamente à literatura. Adaptado para o cinema por Stanley Kubkrick com roteiro do próprio Nabokov, “Lolita” foi acusado de pornográfico e indutor da pedofilia,  mas o escândalo não comprometeu os méritos literários do romance. Em 1961, o escritor mudou de país mais uma vez, passando a morar com a mulher Vera e o filho Dmitri em Montreux, na Suíça, até sua morte, em 1977.

Primeiro filme de Kurosawa, ‘A saga do judô’ é lançado em DVD




A história da rivalidade entre o jiu-jitsu e o judô no Japão no final do século 19 dá pano pra manga. Cheguei a pesquisar o assunto anos atrás e logo me vi perdido em um emaranhado de versões e pistas falsas, lacunas e contradições – e o enredo se complica ainda mais quando o jiu-jitsu chega ao Brasil, já no começo do século 20, pelas mãos da família Gracie. Nesse sentido, para o jornalista e para o historiador interessados em artes marciais, e não apenas para os cinéfilos, o lançamento em DVD do primeiro filme de Akira Kurosawa, “A Saga do Judô” (“Sugata Sanshiro”, 1943) e de sua continuação, lançada dois anos depois, é um acontecimento raro. Inéditos no Brasil, os dois filmes (lançados pela distribuidora Versátil, com bônus de 11 minutos de cenas excluídas) são reveladores de como o embate entre as duas lutas era percebido nos anos 40, em plena Segunda Guerra, por aquele que se tornaria um dos maiores cineastas do Japão, ao lado de Ozu e Mizoguchi. Se não chega a ser uma fonte primária, é um documento precioso.
Em 1882, décimo-quinto ano da Era Meiji, Sugata Sanshiro (o ator Susumoi Fujita), um jovem forte e perseverante, chega à cidade em busca de um mestre de jiu-jitsu na Escola de Shinmei, comandada por Monma Saburo. Após testemunhar um confronto entre os discípulos de Saburo e o mestre de judô Yano Shogoro, Sanshiro muda de lado. No embate entre a arte (“jitsu”) e o caminho (“dô”), Kurosawa toma, definitivamente, o partido do judô. Com uma estrutura simples, o longa-metragem combina uma série de desafios entre judocas e praticantes do jiu-jitsu (retratados quase como vilões) com uma história de amor – entre Sanshiro e Sayo, dilha de Murai Hansuke, mestre de jiu-jitsu e um aprendizado pessoal: à medida que se aprimora nas técnicas da luta, o protagonista Sanshiro mergulha também numa viagem de autoconhecimento e espiritualização.

 

Cena do filme "A saga do judô", de Akira Kurosawa (1943)
“A saga do judô” contém nas entrelinhas diversos ensinamentos budistas, mas a mensagem principal parece ser a de que o verdadeiro conhecimento interpõe muitos obstáculos. Em cenas simples domo a de uma flor iluminada pela lua, Kurosawa reflete sobre a descoberta do verdadeiro sentido da existência por parte do protagonista – o “despertar para a vida”, característico do Kensho, a “experiência da iluminação” zen-budista – e sobre as leis da natureza que regem o mundo. O sermão de Yano sobre o “caminho do Homem” e a sequência em que Sanshiro é persuadido a lutar após um momento de hesitação são típicos do cinema de Kurosawa. A segunda parte do filme, aliás, serviu como unstrumento de propaganda dos valores japoneses no final da Segunda Guerra.
Aos 33 anos, Kurosawa já tinha feito assistência de direção em cinco longas e era autor de dois roteiros – um deles premiado, mas inadequado para ser produzido em tempo de guerra, em função da suposta influência do cinema americano. Por ser um filme de época, considerado seguro pelas autoridades e falando de um tema popular, “A Saga do Judô”, baseado num romance de Tomita Tsuneo (filho de um lendário mestre judoca), foi a oportunidade que o jovem Akira teve de estrear como diretor e começar a desenvolver sua visão ultra-pessoal da linguagem cinematográfica. “Filmes de entretenimento eram mais ou menos a única coisa que nos era permitdo fazer nos idos de 1943”, declarou o cineasta em entrevista ao pesquisador Donald Richie.

Em ‘Rua da Padaria’, Bruna Beber faz da poesia uma janela para o passado




Com seu jeito distraído e quase avoado, a poeta Bruna Beber foi um dos destaques da FLIP deste ano, onde falou sobre seu novo livro, Rua da Padaria (Record, 68 pgs. R$ 24,90).  Com uma voz muito pessoal, Bruna faz dos poemas veículos para um retorno a situações da infância e da adolescência vividas na Baixada Fluminense, nos anos 90. São versos marcados pela ironia e pelo ceticismo, mas também por uma nostalgia sentimental e quase alegre, algo como aquilo que a gente sente quando folheia um álbum de fotografias de família. Apesar de tão próximo cronologicamente, o passado evocado parece muito distante – não pela ausência cotidiana da internet, da televisão a cabo e do celular, mas pela sensibilidade madura com que Bruna fixa na linguagem momentos de formação. O que importa não são os fatos, aliás banais, mas a vida interior que eles ajudaram a construir e formatar - o registro de histórias ouvidas, de frases soltas, das brincadeiras na rua, filtradas pela memória e pela imaginação. . Hoje com 29 anos e morando em São Paulo, Bruna Beber – também autora de ‘Rapapés e Apupos’, ‘A fila sem fim dos demônios descontentes’ e ‘Balés – fala nesta entrevista sobre o processo criativo de “Rua da padaria” e sobre o projeto de escrever um romance.

 
  Os poemas de “Rua da Padaria” são marcados por uma nostalgia que parece precoce para alguém que ainda não fez 30 anos. De onde veio esse impulso para resgatar a sua infância e as raízes? Foi algo planejado ou surgiu naturalmente?
BRUNA BEBER: Foi um planejamento a partir de algo que surgiu naturalmente. Minha infância foi muito marcante e profícua, e então decidi cantá-la, depois de recorrentemente me lembrar dela com muita paixão. Ainda sinto uma saudade alegre do tanto que brinquei e fui feliz. É mesmo a nostalgia de um passado recente. Vinte anos é muito e pouco tempo, não sei, o tempo é elástico. Mas, comecei a escrever na infância, e pequena tinha certa noção de que eu podia usar as palavras como quisesse, e era muito incentivada em casa.
- Queria que você falasse um pouco sobre o processo de criação de dois poemas do livro:
1) “O que dói primeiro”, que parece abertamente autobiográfico, na evocação das frases de parentes e da perda do irmão. É tudo verdade? Nesse sentido, escrever esse poema funcionou como uma autoterapia?
BRUNA: Sim, autobiográfico. A cultura oral sempre foi muito presente na minha família, minha avó cantava cantigas para mim, parlendas, e me contava histórias folclóricas como se fossem fatos. Então, nesse poema eu reconstituí minhas memórias orais, os versos desse poema são frases que cresci ouvindo, assim como outros versos do livro. Funcionou mais como abrir um baú de memórias sonoras – e a isso reúno a frase-anúncio da morte do meu irmão – do que como uma autoterapia.
todo urubu titia gritava
urubu urubu, sua casa
tá pegando fogo
todo estrondo na rua
papai dizia eita porra
aposto qué bujão de gás
todo avião vovó acenava
é seu tio! desquentrou preronáutica
num tenho mais sossego
temi e ainda temo toda espécie
inflamável lamentei tanto urubu
desabrigado desejei o fim
da força aérea brasileira
só custei a entender mamãe
e o que queria dizer com seu irmão
não vem mais brincar com você
papai do céu levou.
2) “Romance em 12 linhas”, que resume o roteiro anunciado de tantas histórias de amor, com uma ironia e melancolia que também estão presentes em outros poemas. Você é assim mesmo ou o “eu” da sua poesia é diferente da Bruna “real”?
BRUNA: Meus poemas não são todos autobiográficos, estou bastante longe de falar apenas de mim. Pelo simples fato de que acho muito mais interessante saber das histórias dos outros e contá-las para outros mais. Mas claro que eles misturam certas coisas que vivi com coisas que vi outras pessoas vivendo ou contando que viveram. Há nesse poema sim uma ironia melancólica, mas é também do nosso tempo essa transitoriedade amorosa, raivosa. Eu quis registrar essa infantilidade – ou fatalidade – tão comum – e muitas vezes inevitável – de viver as paixões.
quanto tempo falta pra gente se ver hoje
quanto tempo falta pra gente se ver logo
quanto tempo falta pra gente se ver todo dia
quanto tempo falta pra gente se ver pra sempre
quanto tempo falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto tempo falta pra gente se ver às vezes
quanto tempo falta pra gente se ver cada vez menos
quanto tempo falta pra gente não querer se ver
quanto tempo falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto tempo falta pra gente se ver e fingir que não se viu
quanto tempo falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto tempo falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu
- Você nasceu em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e morou em São João de Meriti, lugares de “periferia” que muitas pessoas devem achar improváveis para a poesia. Que momentos e circunstâncias da sua infância e adolescência levaram você para esse rumo?
BRUNA: Eu cresci achando o ambiente que me cercava muito peculiar, mesmo sem ter tido muitas experiências fora dele. Achava as pessoas muito interessantes, todos com muitas histórias surreais para contar, e eu ouvia sem hora. É assim a vida real, saborosa de ouvir, surreal, encantada. Talvez isso tenha me feito escritora.
- Você já disse que foi influenciada pelo funk, mas essa sua proximidade da cultura popular parece um pouco enganosa, porque seus poemas, apesar de econômicos na linguagem, são cheios de sutilezas. Isso traduziria um sentimento de desajuste, estranhamento ou não-pertencimento em relação à realidade que te cercava e te cerca – a Baixada na infância, a vida sem varanda em São Paulo hoje?
BRUNA: Eu disse em 2006 que fui influenciada pelo funk [risos], mas fui mesmo. O funk e o rap afinaram meu ouvido, me deram a noção da poesia popular cantada. Era o meu cordel. Não classifico o funk numa posição inferior, não sinto necessidade e nem vejo motivo de fazer separações culturais. Me interesso igualmente pelos dois extremos. Especialmente o funk do começo dos anos 90, melódico, sutil em seus arroubos e extremamente lírico. Também nunca tive uma sensação de não-pertencimento, nunca foi a estranha da rua, mas sempre tive uma vida intelectual inquieta, sabia que queria mais, sabia que o mundo era maior do que o meu bairro e queria vivê-lo. Eu queria ouvir, absorver e contar pros outros. Talvez para concluir que dá quase tudo no mesmo.
- Quando e por que você foi morar em São Paulo? Não se sente um pouco exilada morando aí? Como é sua rotina?
BRUNA: Me sinto exilada e gosto, mas também já tenho laços por aqui, seis anos se passaram. Vim para São Paulo para trabalhar, estava recém-formada no Rio e não conseguia emprego. Então saí da casa dos meus pais e vim morar na sala de uns amigos. Gosto muito de morar aqui, mas não é a minha cidade. O Rio também não. Não sei se a gente precisa sentir uma cidade como sua, uma varanda já me basta.
- Na FLIP você disse que já foi mais desencantada com as pessoas do que é hoje, mas que sempre foi encantada pelas palavras. A escrita foi uma forma de evasão?
BRUNA: A escrita surgiu naturalmente na minha vida e eu me lembro exatamente desse momento. Eu tinha sete anos e percebi que podia juntar palavras e brincar com elas. E quando consegui, parecia que alguém tinha aberto uma janela no meu corpo, uma luz muito forte, eu me enfeiticei. Foi um tipo de mandinga que eu fiz sem querer. Não escrevo para fugir, escrever é inescapável.
- Olhando retrospectivamente para os seus outros três livros, você acha que houve uma evolução? Sua “voz” foi mudando com o tempo ou continua a mesma?
BRUNA: De fato houve uma evolução e ainda bem, quero que minha escrita siga se transformando. Acho que minha voz também mudou um pouco, venho tentando apurar o ouvido.
- você se sente ligada a uma geração, no sentido de fazer parte de um movimento, ou de compartilhar temas, estilo, inquietações?
BRUNA: Não acho que exista uma geração, existem muitas pessoas escrevendo sem compromisso com estilos, escolas, temas e regrinhas comuns. Pelo menos é o que percebo da maioria. Existem as pessoas que eventualmente se organizam em grupos, mas isso é opcional, não preponderante, como já foi um dia em nossa literatura. O que nos une é a época em que estamos produzindo, e algumas afinidades estéticas. Não gosto de gerência nem de cartilhas, gosto do que é rico porque é diverso, e o momento atual é interessante porque é heterogêneo.
- Tendo publicado seus primeiros livros tão jovem, como você lida com o amadurecimento? Dá angústia deixar de ser uma revelação e se tornar uma poeta adulta entre outros poetas adultos?
BRUNA: O Arnaldo Antunes tem uma música que diz que a coisa mais moderna que existe é envelhecer. Eu sempre penso nisso e compartilho esse sentimento. Não sinto essa angústia a que você se refere, acho hoje mais saboroso do que há dez anos.
- Com que poetas, vivos ou mortos, você mais dialoga quando escreve?
BRUNA: Não sei dizer.
- Quais são seus planos agora?
BRUNA: Terminar ou recomeçar mais uma vez o romance que venho tentando escrever faz tempo.

Livro revela os bastidores do xadrez no tabuleiro da Guerra Fria




Desde a Revolução de 1917 – Lenin e Trotsky eram aficionados – até o desmonte da União Soviética, e particularmente durante a Guerra Fria, o jogo de xadrez foi uma poderosa arma de propaganda do regime comunista sediado em Moscou. A história desse entrelaçamento entre xadrez e política é o tema de “Rei Branco e Rainha Vermelha”, fascinante ensaio do jornalista britânico Daniel Johnson (Record, 420 pgs. R$ 49,90).
Ele próprio enxadrista, correspondente na Guerra Fria e historiador, Johnson começa sua narrativa retrocedendo até a atividade revolucionária na Europa do século 19, quando o tabuleiro era o território dos intelectuais radicais exilados, e as partidas ainda estavam confinadas aos salões dos cafés. Quando os bolcheviques se instalaram no Kremlin, Nikolai Krilenko, o criador do Exército Vermelho, persuadiu Lenin a  adotar o xadrez como um símbolo do poderio soviético. A partir daí, os jogadores passaram a ser obrigados a competir pelo Estado, sob ameaça de serem presos ou exilados.
Com o surgimento da União Soviética, o xadrez se transformou rapidamente em assunto de Estado: este não poupou investimentos para garantir a supremacia internacional no esporte, já que a superioridade incontestável nesse terreno refletia a autoimagem de um império cujo fundamento era o supostamente científico, lógico e racional materialismo dialético. Além disso, o xadrez era um dos raros espaços de livre exercício do intelecto: os jogadores mais fortes, como os melhores cientistas, desfrutavam de privilégios inacessíveis à maior parte da população – desde que, é claro, não entrassem em conflito com a doutrina marxista-leninista nem com a KGB.
Já os Estados Unidos se mostraram, ao longo das primeiras seis décadas do século 20, incapazes de desafiar a supremacia da escola russa: em 1945, em uma série de partidas disputadas pelo rádio, os  mestres soviéticos massacararam os americanos, para alegria de Stálin. Foi assim até que, no final dos anos 50/início dos 60, apareceu Bobby Fischer, um gênio solitário, ferrenho anticomunista (apesar de ser filho de um esquerdista) e declaradamente  antissemita (apesar de ter mãe judia). Fischer foi o exemplo mais radical da fronteira tênue que separa, no xadrez, a genialidade da loucura: ao longo da história, não foram poucos os enxadristas que transformaram o jogo numa perigosa obsessão, alienando-se inteiramente da vida fora das 64 casas do tabuleiro.


Fischer x Spassky, 1972
O clímax de “Rei branco e Rainha Vermelha” é, naturalmente, o célebre match pelo campeonato mundial disputado em 1972 em Reykjavic, na Islândia, cidade que ganhou uma importância simbólica para a Guerra Fria comparável à de Havana ou Berlim. Naquele ano o excêntrico e paranóico Bobby Fischer derrotou o então campeão mundial Boris Spassky de forma avassaladora. A saga do enxadrista americano, aliás, foi tema de diversos livros recentes, entre os quais “Bobby Fischer goes to war”, de David Edmonds e John Eidinow, ainda sem tradução no Brasil.
Para o americano, aquele confronto com Spassky representava a luta entre o bem e o mal, entre o “mundo livre” e a prisão do comunismo. E não apenas para ele: Richard Nixon e Henry Kissinger se empenharam pessoalmente em apoiar o enxadrista, num momento em que a perspectiva de uma guerra nuclear de “mútua destruição assegurada” era mais do que palpável. A vitória de Fischer rompeu a longa hegemonia soviética, mas apenas por um breve período: em 1975 o americano se recusou a defender seu título contra o desafiante russo Anatoly Karpov, perdendo a coroa. Até hoje, especulações sobre quem teria vencido aquele match alimentam discussões infinitas nos fóruns de discussão.


Karpov x Korchnoi, 1978
Igualmente importante foram os matches entre Anatoly Karpov e o dissidente Viktor Korchnoi, disputados em 1978 e 1981, em Baguio, nas Filipinas, e Merano, na Itália. O exército soviético usou todas as armas imagináveis para desestabilizar emocionalmente Korchnoi, incluindo o uso de um parapsicólogo de óculos escuros que olhava fixamente para o enxadrista durante as partidas, além de uma suposta artimanha para enviar mensagens ao campeão Karpov por meio dos sabores e cores do iogurte que ele consumia durante as partidas.  A equipe de Korchnoi, por sua vez, contava com dois mestres iogues. O iogurte venceu a ioga, e Karpov manteve o título – que só perderia para Garry Kasparov, após mais de uma década de domínio absoluto.
Johnson conclui o livro com uma análise do papel de Kasparov como campeão de uma nova era e seus confrontos extra-tabuleito com Vladimir Putin, que chegou a mandá-lo para a prisão. Se durante a Guerra Fria o xadrez foi uma forma de sublimar a destruição total de um conflito nuclear, no duelo entre Kasparov e Putin, a batalha de ideias voltou a se deslocar do tabuleiro para a arena política. Kasparov abandonou o xadrez, mas sua pretensão de se tornar um rival à altura de Putin, um ex-oficial da KGB,  não se realizou.
O interesse de “Rei Branco e Rainha Vermelha”, meticulosamente pesquisado, não se limita aos amantes e praticantes do xadrez. Pela forma como contextualiza os confrontos, combinando análise e anedotas de bastidores, Johnson aborda o jogo como um microcosmo onde se travam diversos debates sociais e culturais associados à ascensão e à queda do comunismo soviético: “Esta é a história de como o xadrez veio a desempenhar um papel único: ao mesmo tempo, um símbolo da Guerra Fria e sua antítese – a cultura da velha Europa que de algum modo havia sobrevivido. O xadrez joga luz sobre o processo pelo qual a civilização ocidental por fim triunfou sobre a mais grave ameaça que enfrentou. E a história do xadrez na Guerra Fria apresenta lições de como lidar com ameaças presentes ou futuras a essa civilização. Como diz a Rainha Branca a Alice em ‘Alice no país do espelho’: É uma pobre espécie de memória que só funciona para trás”, arremata o autor.

‘A espuma dos dias’, de Boris Vian, ganha nova edição e chega aos cinemas




Publicado em 1947, no contexto da euforia e da confusão da França pós-Segunda Guerra, “A Espuma dos Dias” (Cosac Naify, 256 pgs. R$ 49,90) é um desses romances que marcam uma época e ganham um significado que ultrapassa muito seus méritos estritamente literários. O próprio Boris Vian é um escritor indissociável de seu tempo: em sua curta trajetória (morreu aos 39 anos, em 1959), ele registrou em prosa e verso, letras de canções e peças de teatro a atmosfera de agitação intelectual parisiense e o universo simbólico que pautava os debates políticos e as transformações comportamentais e culturais em curso nas décadas de 40 e 50, sobretudo entre os jovens, ávidos por mudanças, dispostos a romper com as convenções e a inventar um novo futuro, tendo o jazz como trilha sonora. São inúmeras as referências a Duke Ellington e outros músicos do gênero, sobre o qual aliás Vian, ele próprio trompetista, escreveu centenas de artigos em revistas especializadas, como Jazz Hot e Jazz News..
Marcado por um frescor quase adolescente, repleto de brincadeiras e jogos de linguagem, namorando com o surrealismo sem abraçá-lo totalmente, “A Espuma dos Dias” é um romance de afirmação da liberdade: nas relações afetivas e sociais entre os personagens, as barreiras de classe são destruídas e as práticas amorosas são reinventadas. Há amores para todos os gostos, sem hierarquia de valor: os puramente carnais, os platônicos, os loucos, os infelizes, os deseperados. Nas entrelinhas, Vian denuncia as condições de vida e trabalho que alienam os indivíduos de sua realização, amarrados que estão ao círculo vicioso do consumismo. Critica também a religião e seus laços já então crescentes com o dinheiro. Não sem motivo, o livro foi redescoberto e transformado em objeto de culto nos tumultuados anos 60, quando uma nova geração foi às ruas para protestar e quase derrubou o Governo.


Boris Vian, autor de "A Espuma dos Dias": apaixonado pelo jazz
Adaptado pela primeira vez para o cinema por Charles Belmont, no annus mirabilis 1968, “A Espuma dos Dias” ganhou nova versão, dirigida por Michel Gondry (de “Brilho Eterno…”) e estrelada por Romain Duris e Audrey Tautou – ambos estrelas do cinema francês, ambos já um pouco velhos para os papéis. (Uma curiosidade trágica: foi enquanto assistia a uma versão cinematográfica de outro romance seu, “Vou cuspir no seu túmulo”, que Boris Vian teve o ataque cardíaco fatal: se houve relação de causa e efeito, há controvérsias). A nova adaptação foi recebida sem entusiasmo pela crítica na França, talvez por apostar demais em dar materialidade visual às fantasias da narrativa de Vian, o que nem sempre dá certo. O texto, delicado e intimista, pedia um tratamento visual e um senso de humor diferentes – por exemplo, algo na linha do que fez Louis Malle em sua adaptação de “Zazie no Metrô”, de Raymond Queneau, aliás amigo de Vian e seu colega no Colégio de Patafísica nos anos 50. (outro amigo de Vian, o filósofo Jean-Paul Sartre, é parodiado no personagem Jean-Sol Partre). Os personagens Colin e Chloé, Chick e Nicolas tamém parecem um pouco chapados, sem as nuances psicológicas do livro.
Trailer do filme “A Espuma dos Dias”, de Michel Gondry:
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Redes de indignação e esperança: um guia para o presente




Não dá para interpretar o presente com olhos dos anos 60, tentando ressuscitar o fantasma do golpe militar para esvaziar as ruas; nem mesmo com olhos da era Collor, quando a mídia tradicional não enfrentava a concorrência libertária da Internet. A sociedade em redes está mudando tudo. Há uma imensa crise de representatividade, e ela não será resolvida pelas vias convencionais, porque as pessoas não se sentem mais representadas nem pelos partidos nem por entidades e sindicatos cooptados e vendidos. Há uma dinâmica em curso para a qual não existem precedentes históricos nem modelos teóricos que sirvam como ferramentas. É preciso inventar lentes novas para enxergar uma realidade nova.
Nesse contexto, é difícil entender como ainda permanece inédito no Brasil o livro “Redes de indignação e esperança”, de Manuel Castells. Há muitos anos envolvido com pesquisas sobre a sociedade em redes, que resultaram na já clássica trilogia de ensaios “A era da informação”, Castells é o pensador mais útil à disposição para se entender minimamente o que está acontecendo no Brasil desde a eclosão dos primeiros protestos nas ruas, deflagrados pelo aumento das passagens nos transportes públicos. Na impossibilidade de fazer uma análise detalhada da obra, seguem algumas anotações rápidas sobre o tema e um vídeo da Biblioteca do Congresso, no qual o próprio autor expõe seus argumentos.


Manuel Castells, autor de 'Redes de indignação e esperança'
Testemunha engajada do movimento dos indignados na Espanha, Castells acredita que a articulação entre as redes sociais e a (re)ocupação das ruas e praças públicas aponta para uma reinvenção da democracia, que estaria presa a um modelo esclerosado de representação. Ao promover a perpetuação no poder de uma aliança entre a oligarquia e o Estado, marcada pelo convívio entre a corrupção e políticas populistas-assistencialista formuladas para a manutenção do statu quo, o modelo atual só  fortalece a ação dos políticos profissionais, cada vez mais afastados das demandas reais da sociedade - tudo isso alimentado por campanhas eleitorais patrocinadas por fartos recursos, pelo comprometimento da mídia e pela ação dos lobbies.
Nada disso é novo. Nova porém é a possibilidade da articulação rápida e eficaz de “contrapoderes” por meio das redes sociais, que desequilibram a balança e dão uma voz inédita aos indivíduos e às multidões. Segundo Castells, diante das novas possibilidades de aperfeiçoamento democrático abertas pela tecnologia da comunicação, os poderes constituídos estão reagindo da forma errada, recorrendo à repressão policial e ameaçando cercear a própria liberdade na internet. Mas as pessoas estão aprendendo que não dependem mais de intermediários para se articular e se manifestar:  multiplicam assim alternativas de ação colaborativa, estabelecendo canais de informação independentes.
Assista abaixo a uma conferência de Manuel Castells (em inglês) sobre seu livro ‘Redes de indignação e esperança’:
Castells vai além: ao avaliar os desdobramentos desse confronto latente entre a sociedade e o poder constituído, ele prevê o risco de radicalização dos movimentos, caso o sistema se mantenha hermético e surdo às demandas por mudança. Como essa radicalização pode redundar em violência de parte a parte, é preciso que os manifestantes estejam atentos para não fazerem o jogo daqueles que desejam que tudo permaneça como está.  Qualquer semelhança não é mera coincidência.
“Graças à indignação,as sociedades começaram a superar o medo que as mantinha inertes. Agora, para que não gere apenas raiva, esta indignação precisa converter-se em esperanças e em alternativas”, afirma Castells. Ele explica também a rejeição desses novos movimentos aos partidos políticos constituídos, que reproduzem a “velha política”: ”"Existe um abismo tão grande  entre o que os manifestantes pensam e o sistema político real, que não há uma expressão política capaz de representá-los.”
Em uma entrevista recente, Castells desenvolveu a ideia: “As elites políticas de todos os países pensam que não há problema, seguem com seus negócios, a única coisa que conta são os votos a cada quatro anos, com uma lei eleitoral que os grandes partidos fizeram para que só eles mesmos pudessem ganhar. As críticas, em todo o mundo, sugerem que este tipo de democracia não é suficiente. Em consequência, sob essas regras do jogo, gastar toda a energia para fazer a política formal, é uma operação sem sentido. Reproduz os velhos esquemas que nunca chegaram a nada.”
Por tudo isso, voltando ao caso brasileiro: desqualificar o movimento de milhões de brasileiros que foram às ruas associando-o à direita; recusar a bandeira da ética associando-a à direita; ressuscitar o fantasma do golpe militar para amedrontar as pessoas e esvaziar as ruas; atribuir todos os gritos de insatisfação a infiltrados da direita; tentar pegar carona para levar vantagem política são sinais de uma miopia, de um cinismo e de uma burrice sem fim. É claro que em algum momento haverá um refluxo nos protestos. Mas quando essa energia voltar a se condensar nas ruas será pior. a História não costuma perdoar a miopia, o cinismo e a burrice.

Alguém ainda acha que eram apenas 20 centavos?


Quando se abre uma garrafa cheia de gás e o gás se espalha, é impossível engarrafá-lo de novo. O que a onda de manifestações que agita o país sugere é que uma imensa energia represada se libertou, revelando insatisfações profundas da sociedade, que não serão resolvidas com clichês da época da ditadura nem com táticas de marqueteiro.
Curiosamente, políticos e autoridades de todos os partidos tentam se descolar dos protestos, como se não tivessem nada a ver com o assunto, tentando reduzi-lo aos confrontos entre os manifestantes e a PM. Ora, se a única consequência de tudo isso for o prazer adolescente de afirmar que a PM é despreparada e violenta,  este terá sido um movimento inútil, pois que a PM é ruim todos já sabiam há muito tempo. Essa constatação não vale um vidro quebrado sequer.
Os protestos revelam que existia uma discrepância crescente entre a narrativa ufanista dominante – inclusive na mídia tão criticada – de que a sociedade brasileira estava muito feliz, de que estavam todos satisfeitos, de que os problemas básicos estavam resolvidos ou se encaminhando para isso, de que o país estava bombando, de que agora era a nossa vez etc. Apesar de várias e inegáveis conquistas, a felicidade não era tanta assim: esse discurso se descolou cada vez mais da realidade, e os primeiros sinais de descontrole econômico foram a gota d’água que faltava para a explosão que estamos vendo. A sociedadebrasileira se acostumou (mal) a conviver com muitas coisas, mas quando a percepção da inflação e da instabilidade econômica cresce, não há discurso que convença as pessoas de que tudo vai bem.
Agora que reduziram o preço da passagem e os protestos aumentaram, ficou mais claro que nunca que não eram apenas os 20 centavos. Grupos tentam canalizar essa energia que não compreendem contra a mídia e contra a “direita”, os novos bodes expiatórios de tudo que vai mal. Ora, a mídia está até exagerando na tentativa de acalmar os ânimos e tratar os protestos como uma expressão da democracia, lembrando a todo momento que os vândalos são exceções, e que os protestos são legítimos e pacíficos. Já a direita brasileira é a mais vagabunda que existe, se tivesse competência para dominar e controlar as ruas já estaria no poder há muito tempo.
Este é um protesto contra, um grito de basta, um recado de que existem impaciência e cansaço. Houve quem achasse que poderia transformar tudo isso em um protesto a favor e ainda capitalizar dividendos políticos, transformando tudo numa festa. Fracassaram. A realidade não se encaixa nos roteiros das TVs, nem nas fórmulas dos marqueteiros, nem nos discursos oportunistas dos partidos políticos. Se as autoridades, os políticos e os partidos continuarem com a mesma atitude cínica, a situação só vai piorar. Enquanto não entenderem e assumirem que os protestos são também contra eles e suas práticas sujas e corruptas, enquanto não perceberem que não devem tentar se apropriar do movimento mas sim dar respostas decentes à população – com ações, não palavras e repressão – os protestos só vão crescer.
Ou alguém ainda acha que eram apenas os 20 centavos?

A juventude de José Dirceu, em uma biografia de muitas vidas




Já virou lugar-comum dizer que existem muitos “Josés Dirceus”, ou pelo menos dois – o de antes e o de depois de chegar ao poder. Vou me deter aqui no período que vai até a Lei da Anistia, em 1979, até porque esta é a parte mais interessante de sua vida e, consequentemente, da biografia escrita pelo jornalista Otávio Cabral, Dirceu – A Biografia: Do movimento estudantil a Cuba, da guerrilha à clandestinidade, do PT ao poder, do Palácio ao Mensalão (Record, 364 pgs. R$ 39,90). Esse período corresponde também aos capítulos do livro mais objetivos e menos contaminados pelo Fla-Flu ideológico que prevalece no debate político travado na mídia. Por fim, é também uma fase da nossa História que ganha um imprevisto paralelo com o presente, agora que movimentos de protesto tomam as ruas, a polícia reprime de forma truculenta, e cresce uma sensação difusa de insatisfação e descontrole, com desdobramentos ainda difíceis de calcular em nossa vida política (a própria manifestação contra o reajuste das passagens em São Paulo já está sendo chamada de “Batalha da Maria Antônia 2.0”, em referência à ocupação do campus da USP, episódio protagonizado por Dirceu em 1968).
O principal mérito do livro de Otávio Cabral é dar unidade narrativa a uma série de episódios até aqui tratados de forma dispersa, com diferentes graus de veracidade, confiabilidade e profundidade. O leitor mediano deve saber que Dirceu foi líder estudantil, que foi preso pelo regime militar e depois trocado pelo Embaixador americano sequestrado, que viveu exilado em Cuba etc, mas provavelmente sem um entendimento articulado e sequencial desses acontecimentos. Cabral reconstitui com competência essa cronologia: com base em depoimentos de 63 pessoas próximas a Dirceu (nem todas identificadas) e no acesso a documentos só recentemente franqueado pela Lei de Acesso à Informação, ele constrói um encadeamento lógico de núcleos temáticos, ainda que nem todos recebam a atenção devida. O biografado preferiu ficar em silêncio, mas seus assessores e advogados colaboraram com o projeto, segundo o autor.
Em uma breve recapitulação, seguem algumas informações interessantes que o livro traz em seus primeiros nove capítulos, que vai até 1979, quando Frei Betto apresentou Dirceu a Lula em São Bernardo e teve início mais uma vida de Dirceu (que mereceria uma biografia à parte).  A infância e adolescência são tratadas em pinceladas rápidas: na pequena cidade mineira de Passa-Quatro (onde seu pai, conservador e católico, era simpatizante da UDN), Dirceu só ficou até os 14 anos, quando se mudou para São Paulo. Na capital paulista viveu “quase como um trombadinha”, usando a mesma roupa por 15 dias seguidos e sem dinheiro para nada. A situação melhorou um pouco quando apareceu um bico na TV Tupi, do qual foi demitido por indisciplina. Foi num serviço externo no trabalho seguinte, como office boy, que Dirceu assistiu a uma passeata dos alunos da Universidade Mackenzie, simpáticos à ditadura, comemorando o golpe militar, em 1964. Dirceu já sabia de que lado estava.
Quando se tornou o primeiro de sua família a ingressar numa universidade, no curso de Direito da PUC, Dirceu já militava no clandestino PCB (para desespero de seus pais, quando souberam). O jovem cabeludo não gostava de estudar e logo enxergou na atividade política “uma chance de ascensão pessoal e profissional”.  Sempre segundo Cabral, já como presidente do Centro Acadêmico, Dirceu demonstrou carisma, pragmatismo e outro talento, o de conquistador, namorando, entre outras colegas, a bela e rica Iara Iavelberg – que mais tarde entraria na guerrilha e seria mulher de Carlos Lamarca (Iara foi assassinada pela repressão em 1971, depois de ter dividido uma cela com uma jovem militante mineira, Dilma Rousseff, codinome Wanda). Enfileirando seguidores e namoradas, Dirceu logo ganharia apelidos como “Alain Delon dos pobres” e “Ronnie Von das massas”.


Dirceu discursa em passeata antes da ocupação da Rua Maria Antônia, em 1968
Em 1968, após ser eleito presidente da União Estadual dos Estudantes (numa eleição acusada de fraude pela outra candidata), Dirceu comandou a ocupação da Rua Maria Antônia, após uma passeata marcada por confrontos de facções, tiros e coquetéis Molotov. Depois de três meses, de uma batalha com estudantes da Mackenzie e outros conflitos que acabaram resultando na morte do estudante José Guimarães, de 20 anos, o quartel-general do movimento estudantil no campus de Filosofia, Ciências e Letras da USP foi finalmente invadido pela polícia. Pelo menos nesse momento, Dirceu revelou prudência e sensatez: “Vamos recuar. Vai ser um massacre. Eles vão começar a matar estudantes”. Cabral, porém, classifica essa atitude como “um instinto de preservação que beirava a covardia”, cedendo á tentação de escrever “contra”, e não “sobre”, seu personagem.
Além de revelar a aversão de Dirceu pela imprensa, tratando os jornalistas que recebia com desprezo, a ocupação da Maria Antônia também foi marcada por um episódio de triste lembrança: ele cedeu aos encantos de uma bela morena de roupas justas, que se revelaria uma agente infiltrada, que repassou ao Dops paulista várias informações sobre os estudantes. Descoberta, foi expulsa do campus. Menos sorte teve outro espião, o estudante da Mackenzie João Parisi Filho, supostamente interrogado, submetido a sevícias, algemado e mantido em cárcere privado.


José Dirceu no congresso clandestino da UNE em Ibiúna (1968)
O núcleo seguinte da biografia é o congresso clandestino da UNE, que reuniu 800 estudantes em Ibiúna, em1968, e teve desenlace desastroso, com a prisão e espancamento de Dirceu, Vladimir Palmeira e outros líderes estudantis e na detenção temporária e fichamento de mais de 700 jovens – entre eles César Maia, José de Abreu, Gianfrancesco Guarnieri e Lúcia Murat.  A responsabilidade de Dirceu nesse episódio é um tema polêmico que merecia investigação mais profunda, não ficando claro até que ponto seu personalismo resultou na descoberta e invasão do congresso pela polícia (“Vacilei muito”, ele já declarou a respeito). Escreve Cabral: “A lista dos 706 presos [em Ibiúna] se transformaria, nas mãos dos militares, em uma agenda de ‘comunistas subversivos’. Nos anos seguintes, nove seriam assassinados pelo regime militar. Outros sete continuam na lista dos desaparecidos políticos.”


Os presos políticos libertados em troca do embaixador americano Charles Elbrick (1969)
Cabral passa então à troca de 15 presos políticos pelo Embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado por integrantes da ALN – Aliança Libertadora Nacional em 1969. O episódio, um dos mais simbólicos da resistência à ditadura, está contado em detalhes no filme e no livro ‘Hércules 56’, de Silvio Da-Rin. Dirceu já estava preso há 10 meses e 24 dias quando foi libertado e embarcado num avião militar para o México, de lá seguindo para Cuba pouco menos de um mês depois. Foi uma operação arriscadíssima, conduzida num dos momentos mais negros da ditadura: já sob a vigência do AI-5 e com generais linha-dura se recusando a negociar (incluindo Médici, futuro presidente), todas as condições estacam dadas para o fracasso, mas a pressão do Governo americano, que temia a morte de Elbrick, falou mais alto. Na famosa fotografia dos presos políticos libertados (e banidos do Brasil), Dirceu é o único que levanta os punhos para mostrar as algemas, com a expressão de desafio característica de todas as imagens da sua juventude.
Seguem dois capítulos sobre o treinamento de guerrilha de Dirceu em Cuba – interrompido por uma queda de 10 metros ao tentar atravessar um rio por uma corda esticada – e sua desastrosa experiência à frente do MOLIPO – Movimento de Libertação Popular, em sua primeira volta clandestina ao Brasil. A reconstituição dos 23 dias passados no México, com a desconfiança e as rixas surgindo entre Dirceu e seus colegas, é um dos pontos altos da biografia. Em 30 de setembro de 1969, Dirceu e mais 12 exilados partiriam para Havana, onde ele adotou o codinome Daniel (mais tarde, Hoffmann) e assumiu um papel de liderança bastante contestado pela colônia brasileira na ilha, que o considerava pouco confiável e carreirista, existindo a suspeita de sua colaboração com o serviço secreto cubano.
Criado e treinado em Cuba, o MOLIPO foi a experiência mais trágica na história da resistência à ditadura. Praticamente todos os seis integrantes foram assassinados pela repressão, em um curto período.  Desde o desembarque no Brasil dos primeiros militantes, o Dops já tinha os nomes de todos os membros do movimento e conhecia pormenores de seus planos. Ao longo de 1971, o MOLIPO esteve à frente de atentados a bomba, assaltos a bancos e até do incêndio de um ônibus, a pretexto de… protestar contra o aumento das passagens. Mas em novembro daquele ano começou o massacre. Dirceu, contudo, conseguiu escapar, voando de volta para Cuba.  Entre as hipóteses para o fracasso consumado do MOLIPO, Cabral menciona a tese de que Dirceu seria um delator – já levantada pela historiadora Taís Moraes no livro “Sem vestígios – Revelações de um agente secreto da ditadura militar”.
Ao longo de todo o texto de Otávio Cabral, o anedótico prevalece sobre a análise e a contextualização: em uma biografia que se pretende definitiva, não deixa de ser problemático que momentos críticos da vida do protagonista sejam tratados apenas tangencialmente. Ou, o que é mais grave, que hipóteses polêmicas como a da delação no MOLIPO tenham sido apenas reproduzidas, sem que o autor aprofundasse sua apuração; trata-se de assunto gravíssimo, que merecia ser escarafunchado até que novas informações reforçassem a hipótese ou a enterrassem de vez. Não sendo assim, trata-se apenas de alimentar um boato.  Idem em relação à reprodução da insinuação leviana sobre a natureza da relação entre Dirceu e seu protetor cubano, Alfredo Guevara.
Mais interessante é a reconstituição da atribulada vida amorosa de Dirceu, que numa determinada altura lembra o personagem Mattia Pascal, de Luigi Pirandello, com uma esposa em Cruzeiro do Oeste, sob identidade falsa, e um caso fixo em São Paulo. O sucesso de Dirceu com as mulheres é talvez o único aspecto de sua vida que Cabral trata com admiração.
No último núcleo temático da biografia – antes de ela chegar ao encontro de José Dirceu com Lula em São Bernardo, promovido por Frei Betto no momento mesmo em que se criava o PT – Cabral trata do período em que Dirceu viveu clandestino em Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná, onde se casou e teve um filho com Clara, bela e bem-sucedida dona de uma loja de roupas. O casamento lhe valeu o apelido de Pedro Caroço, referência a uma canção brega da época, “Severina Xique-Xique” (“Ele tá de olho é na butique dela”, dizia o refrão bem humorado). Dirceu viveu na pele do comerciante Carlos Henrique de 1975 até a lei da Anistia, em 1979, quando simplesmente informou à esposa que ele não era ele e partiu para São Paulo. Paro por aqui.
Após a leitura de “Dirceu: a biografia”, permanecem muitos os assuntos por esclarecer, confirmar ou desmentir no período tratado neste texto, goste-se ou não de José Dirceu  (e independentemente dos seus atos no poder, pelos quais já foi julgado e condenado no Supremo). Diversos episódios deveriam ter sido objeto de um esforço mais tenaz por parte do biógrafo do que a transcrição de uma única fonte ou versão, nem sempre confiável.
Em entrevista concedida em dezembro de 2005, usada como uma das muitas epígrafes do livro, Dirceu afirmou: “O que fiz só vou falar mesmo depois de 80 anos. O que fiz na guerrilha, na luta armada, no mundo, isso só depois de 80 anos”. Talvez Dirceu esclareça todas as dúvidas remanescentes quando der sua própria versão da história. Mas, como ele ainda está com 67, ainda vai demorar um pouco. Como ele ainda é um ator político de peso, até lá terá certamente acumulado novas histórias, incluindo memórias de um novo período no cárcere (ou não). Mas é importante enfatizar que Dirceu viveu todas essas aventuras, cometendo erros e acertos, em um período da História brasileira em que era fácil distinguir o bem do mal, em que havia alvos e inimigos claramente delineados. Todos tinham lado naquela guerra. Hoje vivemos uma situação bastante diferente: as manifestações que tomam conta das ruas, ainda que delas se tente fazer uso partidário, escapam de qualquer controle e se voltam contra todos os partidos, não em função de uma reflexão teórica sobre a eficácia do nosso modelo representativo, mas como reação espontânea e instintiva, como sinal de que a paciência da sociedade com as nossas práticas políticas está acabando, processo agravado pelos sintomas de crise na economia. Convém prestar atenção nesse sinal.

Distopia futurista de Edward Bond chega aos palcos do Rio



Tendo começado a escrever no contexto da Guerra Fria, e num momento em que o teatro britânico atravessava transformações radicais – sob o impacto, por um lado, de Samuel Beckett e, por outro, dos “angry young men” John Osborne, Kingsley Amis e outros autores focados na crítica social e política – o dramaturgo Edward Bond preservou em sua produção mais recente traços e preocupações típicos dos anos 60. Escrita em 2000, “Nenhum” (“Have I none”) é exemplar: uma distopia futurista, na qual personagens e situações absurdas servem como um espelho que nos devolve uma imagem feia e angustiante da sociedade em que vivemos.
Apesar da importância de Edward Bond, já apontado como o maior dramaturgo de língua inglesa vivo, “Nenhum” é sua primeira peça encenada no Brasil, em montagem no Porão da Casa Laura Alvim, no Rio de Janeiro. Com direção de Renato Carrera e elenco formado por Felipe Vidal, Talita Oliveira e Higor Campagnaro, sua ação se passa em um futuro não tão distante (2077), quando, após algum acontecimento traumático não esclarecido (Guerra? Revolução?), o passado das pessoas foi abolido pelas autoridades. Em meio a uma atmosfera opressora, há referências a epidemias de suicídio e a um estado de violência generalizada, com zonas da cidade povoadas por milícias, mas a peça se concentra nos micro-efeitos do desastre.


O dramaturgo Edward Bond
Com a eliminação das referências familiares, perderam-se também os valores morais e sociais compartilhados, alicerces da vida em comum, o que leva o casal Jams e Sara e o visitante inesperado Grit a terem uma relação infantil com a realidade. Eles não conseguem estabelecer qualquer hierarquia de importância entre as coisas (por exemplo, entre sentar numa cadeira alheia e cometer um crime), dão uma importância desmedida e egoísta ao sentimento de propriedade (o verbo “have” do título original da peça não é casual) e, o que é mais grave, são incapazes de entender e reconhecer no outro a condição humana, o que torna tênues os laços de cada um com a própria vida.
Essa perda da humanidade, Bond parece sugerir, é o destino de uma sociedade na qual inexistem relações além daquelas pautados pelo medo (do olhar vigilante dos vizinhos, das autoridades invisíveis, de perder o emprego). Bond fala sobre o presente ao mostrar que, quando somos esvaziados do nosso passado, perdemos também qualquer perspectiva de futuro. Nesse sentido, cabe aqui um paralelo com “Entre quatro paredes”, de Jean-Paul Sartre, na qual uma situação dramatúrgica semelhante – três personagens reunidos numa sala – revela uma tragédia bastante diferente: a de estarmos presos a um passado que nos torna culpados aos olhos da eternidade. O inferno de Jams, Sara e Grit é outro, o de serem crianças sem pais, à deriva num oceano de incerteza absoluta – a ponto de ser impossível saber se a narrativa apresentada pelo visitante é “verdadeira” ou está apenas “na sua cabeça”.
A montagem brasileira supera com méritos as limitações impostas pelo espaço cênico, com soluções inventivas de iluminação e trilha sonora – que evocam, em alguns momentos, outra distopia já clássica, o filme “Alphaville”, de Jean-Luc Godard. Embora distintas no tom e nas ênfases, as interpretações de Felipe, Talita e Higor se equilibram e complementam: o convívio entre o cômico e o trágico, a ironia e o desespero, provocam na plateia um estranhamento bem adequado às intenções do texto de Bond. Talita, de quem aliás partiu a iniciativa de trazer “Have I none” para o Brasil, se destaca pela entrega e pela construção minuciosa de sua personagem, na qual imprime uma angústia que nos faz até esquecer sua beleza de Keira Knightley. Felipe, por sua vez, vem construindo nos últimos anos uma consistente trajetória, dirigindo ou de alguma forma participando de montagens relevantes, apostando em um teatro de repertório que costuma ser ignorado ou esquecido no Brasil, de “Tentativas contra a vida dela”, de Martin Crimp, à recente e excelente encenação de “Depois da queda”, de Arthur Miller.
[“Nenhum” integra um programa duplo montado pela mesma equipe: a outra peça do projeto Complexo Duplo, em cartaz no mesmo teatro, é “Garras curvas e um canto sedutor”, de Daniele Ávila Small (inspirada por um conto de Raymond Carver), com direção de Felipe Vidal e elenco formado por Ângela Câmara, Leandro Colombo e Rafael Sieg.]

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